Once Upon A Time: Devil Doll

terça-feira, 16 de abril de 2013


Vou confessar uma coisa: 98% das vezes que eu vejo alguém falando que a banda X ou Y é bem diferente, sinto uma vontade enorme de rir. Digo isso pelo fato de que estou sempre procurando por sonoridades novas, misturas interessantes que resultam em uma música totalmente única, seja isso influenciado ou não por Metal. Acho importante as pessoas estarem sempre dispostas a uma nova experiência musical. Em meio a essa eterna busca por bandas novas, sempre me deparo com bandas incrivelmente bizarras com propostas que as vezes podem soar até mesmo absurdas. E uma dessas bandas chama-se Devil Doll.
Conheci a banda através de um velho parceiro do All That Metal, o guitarrista Charles Hedger (Mayhem, Imperial Vengeance, ex-Cradle Of Filth), que foi entrevistado ano passado em nosso blog. A música da banda realmente me impressionou e sua história incomum me fascinou ainda mais. Em uma busca pelo Google, percebi que não existe nenhuma página em português que fale sobre a banda (se alguém achar, por favor, me avise), então decidi apresentar o Devil Doll a vocês em nossa coluna sobre bandas que já acabaram, o Once Upon A Time. 


Mr. Doctor

O Devil Doll é uma banda de rock experimental fundada pelo misterioso Mr. Doctor (vocalista e compositor), que inicialmente fundou o grupo com duas formações diferentes. Uma das formações foi estabelecida em Veneza, na Itália, e a outra em Ljubljana, atual capital da Eslováquia e na época ainda pertencente a Iugoslávia. Os integrantes foram todos encontrados através de um anúncio misterioso em uma revista de música. A mente por trás da banda sempre foi Mr. Doctor e ao longo dos anos a banda contou com diversos músicos em sua formação. 
No segundo semestre de 1987, a banda gravou seu primeiro álbum em um estúdio de Ljubljana. A obra foi batizada como "The Mark Of The Beast" e sua capa era uma pintura feita pelo próprio Mr. Doctor. Até aí tudo bem, mas agora temos um fato muito curioso: apenas UMA cópia do álbum foi prensada em fevereiro de 1988 e ela até hoje está nas mãos de Mr. Doctor. É isso mesmo, ninguém além dele pode escutar. Segundo o próprio músico, "isso é uma pintura, e não um trabalho gráfico". Apesar disso, é de conhecimento geral que alguns trechos do álbum fizeram-se presentes em trabalhos futuros da banda. 
Ainda em 1988, Mr. Doctor deu início ao segundo álbum de estúdio da banda, que na verdade seria o primeiro a ser realmente lançado. "The Girl Who Was... Death" foi lançado em 1989 com uma prensagem limitada a apenas 500 cópias. O álbum contém apenas a faixa-título, que possui 66 minutos de duração. A canção foi executada uma vez antes de finalizarem a gravação do álbum e durante a segunda apresentação foram distribuidas 150 das 500 cópias prensadas. Todas as cópias distribuidas tiveram uma arte totalmente única e diferenciada uma da outra, algumas feitas com o próprio sangue de Mr. Doctor. As 350 cópias restantes foram todas destruidas por Mr. Doctor. 
"The Girl Who Was... Death" nos apresenta de forma clara a proposta do Devil Doll, com letras inspiradas no programa de TV "The Prisoner" (o mesmo que gerou a canção homônima do Iron Maiden). A banda possui uma sonoridade épica, que está muito além de ser apenas um rock experimental. Ao longo dos 66 minutos temos momentos influenciados por gothic rock, música erudita e música tradicionalista da Eslováquia. Vários trechos contém algo que está muito mais próximo de ser uma narração macabra de filme de horror do que uma música propriamente dita. O que não é algo ruim, pelo contrário, o Devil Doll consegue dar um clima sinistro em sua música de uma maneira como poucas bandas no mundo conseguem. 


No ano de 1989, Mr. Doctor deu início a três projetos: o primeiro chamava-se "The Black Holes Of My Mind", que prometia encorporar citações exotéricas e mensagens subliminares a música do Devil Doll; o segundo projeto era "Mr. Doctor Sings Hanns Eisler", uma interpretação de 4 obras do compositor alemão Hanns Eisler; e por fim, "Eliogabalus", inspirado em uma obra de um poeta francês chamado Antonin Artaud, "Heliogabalus: Or, The Crowned Anarchist". Devido a restrições orçamentárias, "Mr. Doctor Sings Hanns Eisler" nunca foi finalizado e os outros dois projetos foram lançados sob o nome de "Eliogabalus", com a canção "The Black Holes Of My Mind" sendo renomeada para "Mr. Doctor". O álbum foi lançado em 1990 em três prensagens, a primeira com 50 cópias em vinil, depois mais 900 em vinil e outras 900 em CD. Essa é outra viagem musical na mesma linha de seu antecessor, mas com alguns elementos ainda mais experimentais. 
Somente em 1991 que as duas formações do Devil Doll juntaram-se em apenas uma e entraram em estúdio para gravar "Sacrilegium". Na mesma época, houve a adição do pianista Francesco Carta, que permaneceu até o fim da banda. "Sacrilegium" foi lançado em maio de 1992 apenas no formato de CD, mas a essa altura a banda já havia tornado-se um fenômeno cult na Europa e contava com um fã-clube. O fã-clube mesmo lançou uma edição em vinil do álbum de 900 cópias numeradas, com a arte feita por Mr. Doctor e Adriana Marac [Nota: não há nenhum registro de quem foi essa pessoa]. 

Francesco Carta

Em "Sacrilegium", a banda havia lançado mais um álbum de apenas uma música, contendo 58 minutos. Ela foi remixada e extendida para 79 minutos quando relançada no ano seguinte sob o nome "The Sacrilege Of Fatal Arms". Mais uma vez, apenas 900 cópias foram prensadas e todas esgotaram-se em apenas 72 horas. Particularmente, acredito que seja a obra máxima do Devil Doll e Mr. Doctor. Uma verdadeira trilha sonora de horror incrivelmente épica, que alterna entre momentos mais pesados, cantos gregorianos, trechos orquestrados e tudo isso intercalado pelo vocal mórbido de Mr. Doctor.
Um fato curioso é que "The Sacrilege Of Fatal Arms" foi originalmente composta para ser executada ao vivo enquanto um filme escrito e dirigido por Mr. Doctor seria exibido. Aparentemente, esse artista (que a essa altura do texto vocês já tem certeza que é um lunático) também produziu várias peças cinematográficas. Mas nenhuma delas foi exibida em cinemas ou lançadas em vídeo, apenas exibidas durante as raras apresentações do Devil Doll.


Em julho de 1993, a banda começou as gravações de "The Day of Wrath - Dies Irae", mas um incêndio no estúdio durante a mixagem do álbum fez com que todo o trabalho fosse perdido. Mr. Doctor recusou-se a regravar o álbum, gerando boatos de que a banda estava encerrando suas atividades. Apenas um livro contendo as partituras das músicas e uma fita com as gravações não remixadas foram lançados. Somente no final de 1994 que o líder da banda aceitou regravar o álbum.

Orquestra Filarmônica da Eslováquia durante a gravação de "Dies Irae"

"Dies Irae" é o único álbum do Devil Doll a contar com múltiplas faixas, num total de 18 canções, mas nenhuma delas com um título. A gravação contou com a participação da Orquestra Filarmônica da Eslováquia, liderada pelo violinista do Devil Doll, Sasha Olenjuk. Uma soprano da Croácia também participou do álbum, Norina Radovan, em um dueto com Mr. Doctor. As letras foram inspiradas na vida e na música de George Harvey Bone, além de poemas de  Edgar Allan Poe, Emily Brontë, Emily Dickinson e Isidore Ducasse. "Dies Irae" foi oficialmente lançado em fevereiro de 1996.

Norina Radovan

Em 1997, Mr. Doctor prentedia lançar um álbum e um filme com o mesmo nome, chamado "The Day Of Wrath", mas o projeto nunca viu a luz do dia. Mesmo não confirmando oficialmente o seu fim, a banda nunca mais lançou nada após "Dies Irae", assim como nunca mais apresentou-se ao vivo. Em 2004, o fã-clube da banda começou a movimentar seus membros na tentativa de convencer Mr. Doctor a reunir a banda. Várias cartas foram escritas e entregues a ele em um livro chamado "A Thousand Letters to Mr. Doctor". A resposta veio um ano depois, quando o músico entregou ao fã-clube um presente: a cópia número 1 de "Sacrilegium", com a arte feita a mão pelo próprio Mr. Doctor e entregue em uma caixa de couro. 
Você ainda deve estar perguntando: quem, afinal de contas, é esse Mr. Doctor? A resposta foi revelada somente em 2007, quando o mesmo publicou um livro chamado "45 Revolutions", um compêndio de singles lançados na Grã-Bretanha entre os anos de 1976 e 79, com mais de mil páginas e 7 mil fotos. Graças a publicação, todos passaram a ter o conhecimento do nome real de Mr. Doctor, Mario Panciera. O músico foi entrevistado um ano depois pela revista Burn, relatando a história por trás de cada álbum do Devil Doll quando sua discografia foi relançada no Japão. Ele revelou que continua escrevendo e gravando músicas para o Devil Doll, mas não tem o menor interesse de lançá-las. 
Quem ficou interessado em conhecer um pouco melhor a banda, pode procurar por seus trabalhos que são facilmente encontrados pela internet. É o tipo de banda altamente recomendada para quem curte um som mais soturno e experimental, com uma grande variação de climas. Certamente, o Devil Doll é uma banda ímpar no mundo da música, tanto por sua música doentia quanto por sua história repleta de mistérios. 

Links:

Discografia:
The Mark of the Beast (1988) (apenas uma cópia do álbum existe)
The Girl Who Was... Death (1989)
Eliogabalus (1990)
Sacrilegium (1992)
The Sacrilege of Fatal Arms (1993)
Dies Irae (1996) 


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