Entrevista: Rafael Bittencourt (ANGRA, BITTENCOURT PROJECT)

sexta-feira, 21 de junho de 2013


Semana passada começamos uma série de matérias especiais com o intuito de preparar os fãs de Angra para a vindoura apresentação que a banda realizará em Porto Alegre (CLIQUE AQUI para infos sobre o show). No primeiro post abordamos a carreira de Fabio Lione, vocalista convidado para a turnê comemorativa da banda. Esta semana pretendíamos falar sobre o debut que lançou o Angra ao mundo, "Angels Cry", lançado há 20 anos atrás e considerado um marco para o Metal nacional. Mas surgiu a possibilidade de trazermos algo ainda mais especial aos nossos leitores: uma entrevista exclusiva com o guitarrista Rafael Bittencourt.
Rafael Bittencourt não é apenas o guitarrista do Angra, quem é fã da banda sabe o papel que ele desempenhou ao longo dos anos. Sempre foi um dos principais compositores do grupo, além de ter encarado todas as mudanças enfrentadas nas últimas duas décadas, como a trágica separação após "Fireworks" e os problemas burocráticos que deixaram a banda inativa no final dos anos 2000. Seu lugar é ao lado de grandes nomes que marcaram o gênero no Brasil, fazendo com que seja uma grande honra para nós do ATM apresentar esta entrevista.
Falamos sobre a turnê comemorativa, o reality show para escolher o novo vocalista, os preparativos para celebrar os 20 anos de "Angels Cry" e outros assuntos diversos. É óbvio que não poderíamos deixar de perguntar sobre os boatos que envolvem uma possível participação de Andre Matos no futuro. Além disso, ainda desenvolvemos uma conversa bem interessante sobre a identidade das bandas nacionais e as mudanças que a indústria musical vem enfrentando ao longo dos anos. Confira!




ALL THAT METAL: Olá, Rafael! Imagino que a banda está empolgada com a aproximação da turnê com Fabio Lione. Dessa vez vocês podem fazer um show completo, com mais tempo para tocar. Sendo assim, gostaria de saber o que vocês estão preparando para os fãs?
RAFAEL BITTENCOURT: Aproveitando o lançamento da coletânea "Best Reached Horizons" e a celebração de 20 anos de lançamento do "Angels Cry", faremos uma compilação de música de toda a nossa carreira. Será uma boa oportunidade de tocar músicas que há muito tempo não tocamos e que os fãs tem saudades de ouvir como "Stand Away", "Streets Of Tomorrow", etc.

ATM: Um dos planos anunciados com a turnê da banda é celebrar os 20 anos do primeiro álbum. É provável que o repertório tenha um foco maior em "Angels Cry", então?
BITTENCOURT: Sim. Não podemos ignorar a oportunidade de celebrar o álbum que nos projetou ao mundo. Tudo que aconteceu em nossas carreiras foi em consequência da energia despendida neste início. Todos nós devemos muito a este album.

ATM: Considerando o ótimo feedback que a banda teve com Fabio Lione nos vocais, em algum momento foi considerada a hipótese dele assumir o posto de forma fixa?
BITTENCOURT: Sim. Já conversamos com ele sobre isto e ele se interessou. Porém, ainda estamos dando prioridade aos vocalistas brasileiros. E temos o inconveniente de o Fabio morar fora do Brasil e estar fortemente envolvido com outras bandas e projetos.

ATM: Como foi a experiência de tocar na edição deste ano do 70000 Tons of Metal? Quais as diferenças entre tocar em um cruzeiro e um festival comum?
BITTENCOURT: A experiência foi excelente. Sou muito agradecido à Monika Cavalera que nos convidou e organizou nossa participação lá. Todos os dias observávamos diferentes shows de outros grupos internacionais, nos sentávamos para jantar e trocar impressões sobre a cena metal. Sobre como podemos reinserir o Angra na cena de hoje em dia, etc. Não adianta apenas talento e músicas boas, é necessário estratégia e inteligência para sobreviver neste cenário cheio de altos e baixos. Foi uma viagem que modificou a nossa dinâmica interna, nos aproximou ainda mais e nos ajudou a alinhar nossos objetivos. Estamos em um excelente momento de sintonia interna.

ATM: Foi comentando sobre um possível reality show em formato de documentário sobre a busca da banda pelo novo frontman. O projeto já está em andamento? O que pode ser divulgado até o momento?
BITTENCOURT: O projeto está em andamento. Tem um canal de TV muito interessado, mas não queremos que isto atrapalhe a turnê com o Fabio Lione. Portanto, adiaremos mais um pouco. É provável que o projeto se inicie ano que vem.

ATM: Outro assunto que foi muito debatido foi sobre uma possível celebração da história da banda no final do ano. Sendo assim, é provável ainda que o Angra faça mais shows em 2013 ou vocês pretendem ir direto para o estúdio com o novo vocalista?
BITTENCOURT: Isto está em aberto. É possível que façamos mais um show em São Paulo antes do final do ano, mas o mais provável é que partamos diretamente para o estúdio. Os planos têm sempre que ser dinâmicos e abertos alternativas. Planejamos conforme a resposta de cada ação que fazemos.

ATM: A possibilidade de Andre Matos participar desse evento gerou muita polêmica, algo que eu imagino que a banda já esperava. Mas até agora não vi ninguém ponderar sobre a possibilidade de que Ricardo Confessori seria um dos motivos por Andre recusar, pois sua saída do Shaman foi bem traumática. Seria esse um dos motivos? Além disso, você manteve algum tipo de contato com Andre nos últimos anos?
BITTENCOURT: A polêmica não partiu da banda. Para nós o assunto é simples: seria legal para os fãs reviver este momento que foi um marco em nossas carreiras e na história do metal nacional. Não sei quais as razões do André ter recusado. Ele não especificou. Mas acredito que ele ainda pode mudar de idéia. Não acho que tem a ver com o Ricardo.

ATM: Alguns anos atrás você participou do documentário Global Metal. Acho muito interessante o filme mostrar como a globalização afetou bandas de diversos países. O Angra foi um dos precursores da mistura entre Metal e a música brasileira, com "Holy Land". Ainda assim, o Brasil ainda não possui uma maneira característica de tocar esse gênero. Por que você acha que ainda não criamos essa identidade?
BITTENCOURT: Acho que o que está acontecendo de verdade é que o Brasil está perdendo sua identidade cultural. Todo o dinheiro que está entrando de fora no Brasil e está fazendo o país crescer vem de corporações que não estão interessadas no que será da nossa cultura. Eles estão apenas interessados em que gastemos nosso dinheiro com celulares, fast food, etc. Mas o resultado é um país que está vendendo sua identidade por não saber dar-se valor. Muitas bandas já estão combinando as diferentes influências da cultura e do folclore brasileiro com maestria, mas concordo que isto poderia ser ainda mais explorado. Acho que o músico de metal ainda não valorizou o suficiente nossa arte popular e nossas raízes e acho também que a cultura das grandes metrópoles está abandonando o contato com a essência da arte brasileira. A TV e a midia em massa nos aproxima de versões pasteurizadas do folclore brasileiro que faz parecer que esta riqueza é algo banal e decadente. O brasileiro precisa acordar para o fato de que nossa diversidade cultural é a nossa maior riqueza e que a midia tende a nos cegar para isto.


ATM: Ainda sobre o mesmo assunto, já vi uma entrevista sua onde ressaltou a importância de influências diversas para a formação de um músico/compositor. Então gostaria de saber, o que você anda escutando ultimamente que acrescentou algo a mais como guitarrista e compositor?
BITTENCOURT: Gosto muito de Raul Seixas, Peter Gabriel, Marisa Montes, Milton Nascimento, Chico Buarque, Seal, Loreena McKenit e uma lista infinita de artistas que tenho vergonha de admitir.

ATM: Você assistiu muitas mudanças na indústria musical ao longo dos anos. É muito mais fácil para o público conhecer novas bandas, mas tornou-se complicado um músico sobreviver apenas de sua obra. Como isso afetou sua carreira nas últimas décadas?
BITTENCOURT: Financeiramente minha carreira passou a ser menos vantajosa. Não há o que discutir. Não se vende mais CDs como antes e ponto. Hoje todos nós já nos adaptamos, independente do grau de revolta que o músico possui. Nos foi imposto. Ninguém nos perguntou. Um belo dia, o mundo nos impôs que o que produzimos não é apenas nosso, é patrimônio da humanidade. Vão baixar mesmo. Ok. Mas gostaria que o pão francês, serviços de internet, celular, TV, seguro saúde, arroz, feijão, água, luz também fossem. Eu me sentiria menos prejudicado.  Isto testou também o amor que cada um tem pelo seu trabalho, a esperteza e a capacidade de adaptação. Espero este seja o começo da criação de um capitalismo mais social e humanitário.

ATM: Considerando o mesmo contexto, quais as dicas que você poderia dar para quem está começando agora?
BITTENCOURT: Persistência é sempre a melhor dica. É uma carreira difícil que filtra os mais persistentes. Conforme alguns desistem sobram mais chances de você ser reconhecido.

ATM: Quanto ao Bittencourt Project, algum plano para o segundo álbum?
BITTENCOURT: Por enquanto não. Tenho algumas idéias, mas todas fogem do Brainworms I. Ainda não veio algo que pode ser a sequência do que eu fiz em 2008. Caramba. Como passou rápido! Mas quero fazer um DVD de um show ao vivo tocando as músicas do Brainworms I com orquestra e cantando algumas do Angra. Eu gosto muito de cantar também.

ATM: Se há 20 anos atrás alguém falasse para você que o Angra de 2013 é uma das maiores referências do metal nacional e que vocês celebrariam esse legado, o que você possivelmente diria?
BITTENCOURT: Eu diria:  Que bom! Porque eu estou trabalhando duro para que isto neste momento.

ATM: E partindo além do que a banda está vivendo agora, qual a maior realização que você poderia ter como músico?
BITTENCOURT: A realização tem dois estágios principais. Primeiro quando você sabe que conseguiu realizar um trabalho que realmente satisfaz suas expectativas intelectuais, emocionais e espirituais. E o segundo é quando as pessoas reconhecem isto. A realização plena precisa dos dois estágios.

ATM: Obrigado pela atenção, Rafael! Por favor, deixe uma mensagem aos nossos leitores e fãs do Angra.
BITTENCOURT: Obrigado a todos que apoiam minha carreira e me motivam. Especialmente àqueles que chegaram até o fim desta entrevista. Nos vemos em agosto.

*Gostaria apenas de registrar alguns agradecimentos antes de encerrar o post. Em primeiro lugar, ao Homero Pivotto, da Abstratti Produtora, que tornou possível a realização da entrevista. Fica também o agradecimento aos meus colaboradores Paola Rebelo e Lucas Queiroz, que ajudaram na formulação das perguntas. Cheers!

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